Friday, March 16, 2007

The Social Music Revolution

Uma música. Outra, e outra, a ânsia adolescente, o vício que não nos deixa ir dormir, estado zombie, cansado sem sono, bom senso esquecido. E as músicas saem em sucessão; outras pessoas que gostam de coisas que nós gostamos, também gostam de outras coisas de que nunca ouvimos falar, mas das quais também vamos gostar (num testamento pragmático, mas também cru de que somos feitos de caixinhas, com pouco livre arbítrio?).

Vários sites para explorar estas opções: last.fm, pandora.com, ilike.com; a web 2.0, no seu esplendor, com direito, claro, a encontrar algo mais que música ("as with all of the most effective social-media sites, couldn’t have been clearer: sharing your peerless taste in music would not only get you status; it might also get you laid.", Michael Hirschom, The Atlantic, aqui).

32 Comments:

Blogger Unknown said...

Ouve mas é a RUAfm! :D

5:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

Tem a música o poder
de tornar o homem feliz;
nem há quem saiba dizer
tanto quanto ela nos diz.

9:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

La musique souvent me prend comme une mer!
Vers ma pâle étoile,
Sous un plafond de brume ou dans un vaste éther,
Je mets à la voile;

Baudelaire

11:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

não me diga que quer uma desgarrada à moda antiga, carissímo Baudelaire...

12:24 AM  
Anonymous Anonymous said...

Pode ser!

7:22 AM  
Anonymous Anonymous said...

O Aleixo queria desgarrada,
Mas já lá vão dois dias...
Deve estar na esplanada
A olhar para as algarvias.

As moças deram-lhe volta à carola
Acabou-se a improvisação
Mas espero que ainda tire da cartola
Algum coelhinho com inspiração.

4:31 PM  
Anonymous Anonymous said...

Nem assim eu gosto menos,
das mulheres que se pintam...
são como os choquinhos pequenos
comem-se mesmo com tinta.

Todo o homem é guitarra
Tocado pela bela mulher
Quando esta o sabe afinar
Faz dele tudo o que quer

Riem de outra com desdém
Certas damas bem vestidas;
Quantas, para vestir bem,
Se despem às escondidas!

As rameiras que passaram,
E que nasceram donzelas,
São filhas que os pais criaram
Para outros se rirem delas

Onde passas deixas rasto;
Qualquer homem te seduz.
O teu marido é padrasto
Dos filhos que dás à luz.

Não seduz, faz rir a gente
A mulher linda que passa;
Se é engraçada de frente,
De costas tem muita graça.

2:49 PM  
Anonymous Anonymous said...

Tinha razão! O teu problema são as mulheres!...

«Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.»

Alberto Caeiro

8:59 PM  
Anonymous Anonymous said...

Tirante um ou outro, probo,
E uma ou outra, virtuosa,
O homem de hoje é um lobo
E a mulher uma raposa...

Da mulher mansa e calada,
Não deixes de ter suspeitas.
A água, quando parada,
É que provoca as maleitas...

Baixinho. Ninguém nos oiça,
P'ra que não dês o cavaco:
(Se a virtude fosse loiça,
Já não tinhas - nem um caco).

Se quem de ti disser mal
Um pinheiro for dispondo,
- Arranja-se um pinheiral
Com cem léguas em redondo...

Na mulher, o persistir
Em jurar fidelidade,
É um modo de mentir...
- Com maior solenidade!

- Que tela de Virgem dava!
Exclamei, em teu louvor;
Comentário dum pintor:
- De virgem!? Não a assinava...

Passaste: e alguém num centro
De má língua, disse: Aquela ?
Quanta vez fechei por dentro
A porta do quarto dela!...

Passou um dândi, um snob.
Nas janelas pequeninas
Dos teus olhos, as meninas
Acenaram-lhe: pst! sobe!

Sete pecados mortais
Me ensinaram na doutrina.
Conheço agora dois mais:
São os teus olhos, menina...

Maria da Graça é uma
Cachopa de olhos em brasa.
Vive sozinha, não fuma,
E tem cinzeiros em casa!

O teu encanto divino
E a tua maldade acerba
Lembram-me um dito latino,
O «latet anguis in herba»...

Aproveitam meus desejos
A tua boca destarte:
Recolho todos os beijos.
Ponho as palavras de parte...

Porque demónio o abade,
Que é teu confessor também,
Em vendo o teu primo há-de
Piscar de olho e dizer-lhe: Hem?...

Mal o conheço, disseste.
Sempre isso mesmo supus.
A entrevista que me deste
Foi alta noite - e sem luz...

Menina de corpo albente,
Obra-prima da matéria,
Nunca te sorris, - e mente
Quem te chamar mulher séria...

Eu conheço a falsidade
Desse teu romanticismo.
Limpa os olhos. A humidade..
. Agrava-me o reumatismo.

Ninguém melhor fama goza;
Mas eu não a julgo assim.
Uma mulher virtuosa
Pode lá gostar de mim!...

- Onde vais tão sacudida,
Ó da peliça de lontra?
- Como sou mulher perdida,
Vou a ver se alguém me encontra...

Por Deus te peço que deixes
De chorar. Basta de mágoa!
Os teus olhos são dois peixes,
Só estão bem dentro de água...


Augusto Gil

9:45 PM  
Anonymous Anonymous said...

Anjo És

Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.

Anjo és tu, não és mulher.
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não têm. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... - Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?

Garrett

9:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Não se meta comigo em verso,
Que nada pode fazer;
Olhe que eu não sou perverso,
Mas em verso posso ser.

António Aleixo


Se me permite a ousadia, sem lhe querer faltar ao respeito, aqui vai um do Bocage, porque hoje é o Dia Mundial da Água, e ficava mal numa desgarrada com esta não versar sobre um dos bens mais importantes para a sobrevivência humana:


A ÁGUA

Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colhões
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde cago.

Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz minete
que lava o chibo mesmo da rasca
tira o cheiro a bacalhau da lasca
que bebe o homem que bebe o cão
que lava a cona e o berbigão

Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a cona e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava putas
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao caralho

Meus senhores aqui está a água
que rega as rosas e os manjericos
que lava o bidé, lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber às fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche e
lava a boca depois de um broche.

Espero que não tenha levado a mal esta brincadeira, mas faça de conta que está na Taberna Nicola, com um grupo de poetas, frades, comerciantes e que já bebemos vários jarros de vinho tinto.


P.S: dê dois beijinhos meus à Mercês.

1:13 AM  
Anonymous Anonymous said...

Não tenho nada de perversa,
Mas não é por isso que desisto.
Não pense que não tenho conversa
Para dar continuidade a isto.

A água é agora o motivo
Tema contra o qual não levanto objecção
De um poeta criativo,
Aqui vai uma do Gedeão.


«Lição sobre a água

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.»

4:57 PM  
Anonymous Anonymous said...

Como já evocamos poéticamente e desgarradamente o Dia Mundial da Água, proponho que voltemos à temática "mulheres", tema tão complexo, rico, apaixonante quanto prazenteiro:


Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:


Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:


Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que ainda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:


Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiqueis pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo é honra é tudo peta.



Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Mas ver cagar, contudo, a formosura,
Mete nojo à vontade mais gulosa!


Eis a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura:
Um carta d’amor de alimpadura
Serviu àquela parte mal cheirosa:


Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito d’amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita;


Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!


José Maria Barbosa du Bocage

5:32 PM  
Anonymous Anonymous said...

Bem, o Bocage não foi o único a escrever sobre as Nises, Lucrécias e afins...


A puta

Quero conhecer a puta.
A puta da cidade. A única.
A fornecedora.
Na rua de Baixo
Onde é proibido passar.
Onde o ar é vidro ardendo
E labaredas torram a língua
De quem disser: Eu quero
A puta
Quero a puta quero a puta.

Ela arreganha dentes largos
De longe. Na mata do cabelo
Se abre toda, chupante
Boca de mina amanteigada
Quente. A puta quente.

É preciso crescer esta noite inteira sem parar
De crescer e querer
A puta que não sabe
O gosto do desejo do menino
O gosto menino
Que nem o menino
Sabe, e quer saber, querendo a puta.


Carlos Drummond de Andrade

7:27 PM  
Anonymous Anonymous said...

Um bem conhecido do genial poeta-gin tónico, que eu muito admiro:

Poema-Mulher

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.


José Carlos Ary dos Santos
(um dos maiores de todos)

7:55 PM  
Anonymous Anonymous said...

É realmente um poema muito bonito, tal como a «Estrela da Tarde», do mesmo autor...

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto.

6:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Cara Djamilia,

a "Estrela da Tarde" é um dos melhores poemas do Ary, sem margem para dúvidas, o que pouca gente sabe é como é que ele apareceu.

Ora, eu como não gosto de guardar o conhecimento só para mim, passo a explicar a história deste poema, que me foi contada há uns anos atrás pelo Carlos do Carmo, numa conversa informal que tivemos numa casa de fados de Lisboa.

O Ary estava despedaçado, porque tinha acabado de viver um forte desgosto de amor, pelo que foi para a sua casa na Rua da Saudade e começou a beber grandes quantidades de gin tónico, senta-se à mesa da sua sala de jantar e de seguida, sem riscar, sem emendar e ferozmente escreve este poema de 816 palavras, que depois leu pelo telefone ao Carlos do Carmo.
O poema é longo (5 a 6 minutos quando cantado) e muito difícil de cantar por causa da letra e das pausas, pelo que muito poucos fadistas o ousam cantar, exectuando o Carlos do Carmo.

Agora aqui vai uma do satírico Augusto Gil:

Noite de núpcias


Enquanto despia o fraque
junto ao leito de noivado,
escapuliu-se-lhe um traque
de timbre aclarinetado...


A noiva olhou-o de lado,
e pôs-se, com ar basbaque,
a remirar o bordado
das botinas de duraque...


Houve, após esse momento,
naquela noite de gala,
um duplo constrangimento.


E o noivo disse-lhe então
"Oh filha, cu que não fala
é cu sem opinião...

9:13 PM  
Anonymous Anonymous said...

A minha noite de núpcias é mais idílica...


«Sobre a tua cabeleira hei-de pôr, para as núpcias
Uma coroa de borboletas, com suas
Asas pintadas.

Terás de volta ao pescoço flores de abóbora,
Em prata,
E a Lua que para ti noites e noites forjei.

Andarás pelo povo sobre um cavalo em turquesa
Um cavalo ardente e leve,
Animado pelo meu fogo de amor.

E a teus pés eu lançarei uma pedra quente, quente:
O coração onde correm
Milhões de gotas e sangue.»

Herberto Hélder

12:00 PM  
Anonymous Anonymous said...

Muito bonito, cara djamilia, mas para o prazer ser ainda maior, só se esse poema fosse recitado pelo saudoso e iningualável Mário Viegas, que era grande amigo do Helberto Hélder...

Certo dia, um poeta e dramaturgo que eu gosto muito, escreveu um poema que eu gosto muito, dedicado a uma parte (que eu gosto muito) do corpo (que eu gosto muito) da mulher que eu gosto muito...


A Moça que Mostrava a Coxa

A moça mostrava a coxa,
a moça mostrava a nádega,
só não mostrava aquilo
- concha, berilo, esmeralda -
que se entreabre, quatrifólio,
e encerrra o gozo mais lauto,
aquela zona hiperbórea,
misto de mel e de asfalto,
porta hermética nos gonzos
de zonzos sentidos presos,
ara sem sangue de ofícios,
a moça não me mostrava.
E torturando-me, e virgem
no desvairado recato
que sucedia de chofre
á visão dos seios claros,
qua pulcra rosa preta
como que se enovelava,
crespa, intata, inacessível,
abre-que-fecha-que-foge,
e a fêmea, rindo, negava
o que eu tanto lhe pedia,
o que devia ser dado
e mais que dado, comido.
Ai, que a moça me matava
tornando-me assim a vida
esperança consumida
no que, sombrio, faiscava.
Roçava-lhe a perna. Os dedos
descobriam-lhe segredos
lentos, curvos, animais,
porém o maximo arcano,
o todo esquivo, noturno,
a tríplice chave de urna,
essa a louca sonegava,
não me daria nem nada.
Antes nunca me acenasse.
Viver não tinha propósito,
andar perdera o sentido,
o tempo não desatava
nem vinha a morte render-me
ao luzir da estrela-d'alva,
que nessa hora já primeira,
violento, subia o enjoo
de fera presa no Zôo.
Como lhe sabia a pele,
em seu côncavo e convexo,
em seu poro, em seu dourado
pêlo de ventre! mas sexo
era segredo de Estado.
Como a carne lhe sabia
a campo frio, orvalhado,
onde uma cobra desperta
vai traçando seu desenho
num frêmito, lado a lado!
Mas que perfume teria
a gruta invisa? que visgo,
que estreitura, que doçume,
que linha prístina, pura,
me chamava, me fugia?
Tudo a bela me ofertava,
e que eu beijasse ou mordesse,
fizesse sangue: fazia.
Mas seu púbis recusava.
Na noite acesa, no dia,
sua coxa se cerrava.
Na praia, na ventania,
quando mais eu insistia,
sua coxa se apertava.
Na mais erma hospedaria
fechada por dentro a aldrava,
sua coxa se selava,
se encerrava, se salvava,
e quem disse que eu podia
fazer dela minha escrava?
De tanto esperar, porfia
sem vislumbre de vitória,
já seu corpo se delia,
já se empana sua glória,
já sou diverso daquele
que por dentro se rasgava,
e não sei agora ao certo
se minha sede mais brava
era nela que pousava.
Outras fontes, outras fomes,
outros flancos: vasto mundo,
e o esquecimento no fundo.
Talvez que a moça hoje em dia...
Talvez. O certo é que nunca.
E se tanto se furtara
com tais fugas e arabescos
e tão surda teimosia,
por que hoje se abriria?
Por que viria ofertar-me
quando a noite já vai fria,
sua nívea rosa preta
nunca por mim visitada,
inacessível naveta?
Ou nem teria naveta...


Carlos Drummond de Andrade

4:02 PM  
Anonymous Anonymous said...

Que mulher difícil!!!Mas vocês no fundo até gostam...
Afinal «o fruto proibido é o mais apetecido».


«Pela luz dos olhos teus
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar

Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.»

Vinicius de Moraes

8:51 PM  
Anonymous Anonymous said...

Será que a maioria das mulheres são como aquela? espero bem que não...
Já agora, gostaria de saber a opinião da minha colega de desgarrada acerca da dúvida por mim colocada...


Certo dia, um poeta e dramaturgo que eu gosto muito, escreveu um poema que eu gosto muito, dedicado a uma parte (que eu gosto muito) do corpo (que eu gosto muito) da mulher que eu gosto muito...

A Bunda, que Engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda.

Carlos Drummond de Andrade


Um beijo em todas as bundas bonitas, sexys e engraçadas que me provocam um grande te...

9:24 PM  
Anonymous Anonymous said...

Caro Aleixo,

Não acredito que não saiba como são as mulheres, mas posso dizer-lhe que nem para todas o sexo é «segredo de Estado».


«Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante

De dentes cerrados
ondulas avanças
retesas os braços
comprimes as ancas

Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto

e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga

Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada

no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água

Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos esses
sorvê-los agora

Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra a sede
que me queima a língua

A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu.

(David Mourão-Ferreira)

11:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Certo dia, um poeta e dramaturgo que eu gosto muito, escreveu um poema que eu gosto muito, dedicado a uma parte (que eu gosto muito) do corpo (que eu gosto muito) da mulher que eu gosto muito...

Poema da buceta cabeluda

A buceta da minha amada
tem pêlos barrocos,
lúdicos, profanos.
É faminta
como o polígono-das-secas
e cheia de ritmos
como o recôncavo-baiano.

A buceta da minha amada
é cabeluda
como um tapete persa.
É um buraco-negro
bem no meio do púbis
do Universo.

A buceta da minha amada
é cabeluda,
misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua
é lambida.

A buceta da minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.

A buceta da minha amada
me aperta dentro, de um tal jeito
que quase me morde;
e só não é mais cabeluda
do que as coisas que ela geme
quando a gente fode.



Bráulio Tavares

1:58 AM  
Anonymous Anonymous said...

Grande e genial poema, do não menos genial Mário de Sá Carneiro, foi pena ter-se suicidado tão novo, porque com poemas destes, estavamos todo mais ricos...

Agora, deixo-te um simples mas engraçado poema, de uma autora que eu não conhecia:


Sexta-feira à noite...


Sexta-feira à noite
Os homens acariciam o clitóris das esposas
Com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
Contam dinheiro, papéis, documentos
E folheiam nas revistas
A vida dos seus ídolos.


Sexta-feira à noite
Os homens penetram suas esposas
Com tédio e pénis.
O mesmo tédio com que todos os dias
Enfiam o carro na garagem
O dedo no nariz
E metem a mão no bolso
Para coçar o saco.


Sexta-feira à noite
Os homens ressonam de borco
Enquanto as mulheres no escuro
Encaram seu destino
E sonham com o príncipe encantado.


Marina Colasanti

5:55 PM  
Anonymous Anonymous said...

Há umas semanas atrás, a propósito de um livro de Jorge Amado entitulado O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, perguntei a uns miúdos se seria possível uma história de amor entre um gato e uma andorinha. Os rapazes responderam logo que não. Qual foi a razão invocada? Incompatibilidade sexual! As raparigas disseram logo «Claro que sim, eles amavam-se e quando há amor tudo é possível...»
Conclusão: Para os homens as mulheres são um pedaço de carne, umas com mais curvas, outras com menos...
As mulheres continuam a sonhar «com o príncipe encantado»...



«Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.»

António Gedeão

2:37 PM  
Anonymous Anonymous said...

Poema para Todas as Mulheres


No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquinas és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza, não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade
e tem mil e uma portas.
Ai ! teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo
Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a
iluminação das odes, dai-me o cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha,
quero o colo de Nossa Senhora!


Vinícius de Moraes

4:06 PM  
Anonymous Anonymous said...

A mulher é um dos motivos principais da obra poética de Vinicius. Casou nove vezes (o seu amigo Pablo Neruda casou oito), mas reconheceu numa entrevista que
«- Tenho um pouco de medo de mulher.» Mas era sem dúvida um grande amante das mulheres, um pouco indeciso quanto ao tipo, «Uma morena era o ideal/Mas a loirinha não era mau»... Só tinha que ser bela!


«Receita de mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança,
qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize
elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso
que súbito tenha-se a
impressão de ver uma
garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só
encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas
que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso,
é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que
umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas,
e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras:
uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não estará mais presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.»

2:10 PM  
Anonymous Anonymous said...

As coisas que tu sabes, cara Djamilila...

Agora, deixo-te um soneto de que gosto muito...


Soneto da mulher ao sol

Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pêlo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...

Vinícius de Moraes

3:45 PM  
Anonymous Anonymous said...

K namoro!

8:10 PM  
Anonymous Anonymous said...

Felizmente também há poemas, em menor número, é verdade, sobre o que uma mulher pode sentir relativamente a um homem. E este foi escrito por um senhor chamado Chico Buarque para a Ópera do Malandro.

«O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele inteira fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai

Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita, ai

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz»

11:36 AM  
Anonymous Anonymous said...

Cara Djamilia,

por motivos de força maior, vou gozar as minhas férias pascais para Loulé, não posso dar seguimento a esta prazerosa desgarrada, visto que em Loulé não tenho acesso à internet.

Gostei muito de partilhar estes poemas contigo, fazendo votos para que este sentimento tenha sido reciproco.

Para finalizar, deixo-te um poema lindissimo que o Ary dos Santos escreveu para ser cantado pelo fadista Vasco Rafael, poema esse que é frequentemente cantado nas várias casas de fado de Lisboa, sempre com enorme sucesso e vibrantemente aplaudido.

Roseira, botão de gente:

A força que tive no momento
Tecendo o teu corpo a 1ª vez
Está agora no teu ventre em movimento
No Filho que a gente fez

Depois irá pouco a pouco,
ficando maior, por dentro de ti
E o teu corpo que me segreda quando toco
Que o meu filho está ali

Eu fui a semente
Tu és o canteiro
Dum cravo de carne
que tem o meu cheiro
Eu fui o arado
Tu é a seara
Seara de trigo sem fim
Seara lavrada por mim

O que um homem sente
Quando a companheira
Dá flor no presente
Para vida inteira
É como se o sangue
Fosse uma fogueira
Roseira, botão de gente
Rosa da minha roseira

A vida que tece outra vida
É vida parida, é vida maior
Tens agora a palpitar a minha vida
No teu ventre meu amor

Depois o sangue dos dois
Será vida nova, será uma flor
Flor de carne a despontar da primavera
Do teu ventre meu amor

Para ti.


José Carlos Ary dos Santos
(o poeta-gin-tónico)

1:58 AM  
Anonymous Anonymous said...

Também gostei muito desta desgarrada. E como é o fim da mesma, aqui fica um poema líndíssimo do meu poeta preferido.


«Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.»

Eugénio de Andrade

9:18 AM  

Post a Comment

<< Home