O Sr. Tomé e o Pedro
Há um ano e um dia, sentado no sofá falei pela primeira vez mais de vinte segundos com o senhor Tomé; dezenas de vezes durante mais de 20 anos, nunca tinha acontecido. Mas desta vez, no meio da confusão, de repente, ficámos os dois em frente um do outro e por motivos insondáveis resolvi não me escapulir. Ouvi histórias da tropa que ele fez nos Açores, “Ficávamos dentro de uns buracos a vigiar a praia”, de como tinha sido conhecido a mulher, “Sempre a amei muito”. Lembrei-lhe que ele me tinha feito uma torre de madeira, para substituir a peça perdida de um jogo de xadrez; “Sim, eu era muito bom a fazer coisas em Madeira. O crucifixo que tenho no meu quarto também fui eu que fiz”.
Chegou a comida, e a algazarra de muita gente. “A família está a crescer e já não cabemos todos!” A Marta (vinda da Holanda), o César (pela primeira vez num jantar de família) e o Pedro (uma adição recente) esgotavam a pool de cadeiras. Pensei que o Senhor Tomé não ia encher aqueles jantares durante muito mais tempo. E senti, no momentâneo abrandar do ruído, que não tinha sido o único a pensar nisso.
O Senhor Tomé morreu passados uns dias. E a foto do post (com o Pedro) é provavelmente a última que tirou. A alegria dos nascimentos, as tristezas das mortes, o poder da vida.